mesa livre para a vida

não se descreve o viver. para quê tentar?

28 dezembro 2006

o beijo. a terra.

Maria Amaral


distante em tempo e espaço fecho os olhos

enleio-me nos teus braços. não te toco

nem tu sequer me encontras pele e sangue quente

no entanto é misturado ao teu que tenho o corpo

e as almas de tão unidas respiram uma só


tão suave este encontro quanto urgente

vivo-o como quem tem presente já

não ter tempo que sobre para uma guerra

de amor, por mais estimulante e desejada

a única porque vale a pena combater


sorrio ao imaginar. abro os olhos. corro ao jardim

beijo a terra plantada a flores de inverno

ela te vibrará o beijo que lhe entrego.

25 dezembro 2006

tu. água em pedra

madalena pestana


tu água em pedra. fazes brilhar de novo

o que o pó tornara objecto baço.

eis que a esperança renovo.


de caminho, apoio-me no teu braço.

que conforto!



sem laço.


20 dezembro 2006

aonde a tua mão?

by jensroesner.de

há tanta mão estendida entre as que se vêem e as ocultas. há tanta ambivalência nesse gesto. tanta diferença até na forma de estender a mão.

mãos de palmas abertas a tudo, a oferecer ou receber. mãos semicerradas num quase medo daquilo que possam vir a encontrar ou a perder.

mãos. expressões muitas vezes esquecidas de quem olha mas que falam quase com própria voz.

mãos implorantes e envergonhadas de terem de ser vistas e apoiadas por nós.

mãos sem amor próprio. sem pudor. que nos atiram pedidos como pedras. e se fecham depois com um riso de escárnio sobre o mundo, a enganar a dor.

mãos agonizantes dos quase a ir ao fundo.

mãos prontas a acariciar gente em paisagens distantes.

mãos erguidas. como punhos de luta ou arrogantes.

muitas mãos. estendidas.

e ainda as mais amáveis mãos - as de crianças artistas e amantes.


*


no meio de tantas mãos. algumas dadas. outras cruzadas entre si.

não vejo a tua. estendida para mim.

19 dezembro 2006

sinais

Daniel Carl Larusso


tira depressa a luz que tinhas na janela

fecha as portas de madeira para que não

te vejam nem a sombra pelos vidros

varre antes as pegadas de terra

que deixaste no tapete de entrada

vai sentar-te no escuro. manda calar o cão.


não há verdade. há uma gama de verdades .

parecidas ou iguais


e se ficares assim quieta. calada

no recanto da casa sossegada

todos passarão de largo sem te ver.

depois? - depois é a tarefa lenta de esquecer.


17 dezembro 2006

máscaras caídas

at Globe masks

se tudo é transitório deixemos cair as máscaras

da teatral eternidade

pensei e fiz. baixei as guardas quase todas

( não quero pensar em arrependimento)

e ficou tudo tão inusitadamente límpido

o que era a sépia renovou o branco

torrentes de uma chuva que nem cai

criaram rios novos de águas luminosas

e eram meus os rios

de novo meus!

a tua gargalhada entrou dentro das máscaras

e sei que a ouvirei

por dentro delas se as voltar a usar.

tu, verdadeiro rio a gargalhar!

12 dezembro 2006

Amigo


fosse-me o corpo jovem mais que a mente e atreveria verdades no olhar-te.

e no entanto o meu corpo ainda é quente e queira ou não, ainda sei amar

o que é que se interpõe? - tu próprio e tanta gente

tanto caminho me separa de ti ! tanto caminho - sei - a não pisar.


virgens de mim , dos meus traços de afecto, ficarão os caminhos

tão livres quanto são


e eu? eu refugiu-me num calmo fantasiar

a olhar-te e a amar-te e a contornar-te de longe o rosto com a mão.


mas basta-me então esse imaginado tactear?

não, meu Amigo. é bem claro que não.

e já que não posso chamar-te meu amor, uso da liberdade que me assiste

de não fingir tratar-te como irmão.


mais Florbelas, não!

11 dezembro 2006

um instante

Joan Ramon Mendo Escoda

instantes brancos em caminhos áridos não regam a secura, iluminam. tão breve brevemente como o voo da borboleta branca na paisagem.

tal como o que sinto hoje é a passagem entre o que fui e o que vou tornar a ser. e tenho de acelerar o passo. não me sei já vestir deste excitante e ainda assim lasso, sonho de amar.

não posso. não sei. não quero!

eia tanto não!

adolescente a negar com a mão e a dizer sim com o corpo todo e o pensamento.

o mais sadio é rir. rir-me de mim, depressa e antes que me esqueça ou que eu aqueça ao colo uma ilusão.

definitivamente respondo-me a mim: NÃO!

09 dezembro 2006

longe perto

foto Antonio Pierre De Almeida


contornei-te os lábios com os dedos. não os sabia tão capazes ainda de uma leveza assim. depois todo o perfil. devagar. devagar. a minha comoção era tamanha que quase tive vontade de chorar, não de tristeza. não. era tolice. de profunda ternura. nada mais.

para quê chamar-lhe amor? as palavras são um pouco como o sal. só na medida certa apuram o sabor.

depois. depois deixei pender as mãos. terias tu sentido? só por pura magia. como se sente no rosto o que alguém deu a uma fotografia?

e no entanto, voltei a reerguê-las. dei-lhes forma de ninho. coisa boa para início de vida com carinho.

mas tu não estás. não és. ou és e não queres ser essa pessoa boa e comovente que me deu para gostar. e tão pouco eu gosto já de gente...

sacudo a cabeça de repente. vamos a acordar. isto é a cercania do natal e este tempo em excesso para sonhar. o melhor é fazer um telefonema e escolher um jantar.

cura o romantismo e a melancolia num instante de tão prosaico e citadino ser.


mas nos meus olhos. bem a brilhar cá dentro há ainda a panela na lareira sobre toros a arder.


at sernancelhe.planetaclix.pt